Cineasta censurado lidera movimento antiwoke por liberdade artística

Uma provocação compartilhada no Facebook praticamente impediu o cineasta paulista Newton Cannito de trabalhar por quase dez anos. 

“O princípio do ‘feminismo menininha’ é: como eu sou feminista, posso falar mal de todos os homens que já me magoaram. Vou publicizar minha vida privada e dizer que isso é uma causa pública. Nada mais menininha”, postou, em dezembro de 2015, o diretor e roteirista. 

Apesar do tom bem-humorado, a mensagem recebeu alguns comentários agressivos e acabou sendo apagada por Cannito menos de uma hora após ser postada. O estrago, no entanto, já estava feito. 

Cerca de dez dias depois, veio a bomba. Na forma de um abaixo-assinado em que 500 mulheres ligadas ao cinema e à televisão — algumas delas de renome — protestavam por mais espaço no setor. 

Segundo elas, o fato de um parecerista de editais e ex-gestor público (Newton Cannito foi consultor do ministério da Cultura e secretário do Audiovisual durante os dois primeiros governos de Lula) fazer esse tipo de piada nas redes sociais era uma evidência clara da discriminação contra profissionais do sexo feminino nas avaliações de projetos.

“A partir dali eu virei o machista oficial do audiovisual brasileiro”, conta o cineasta no livro “Censura Estrutural — Liberdade na Arte: Cancelamentos Woke na Arte Brasileira de Hoje”, recém-lançado e disponível em formato de e-book no site da Amazon. 

Desde então, ele não recebeu mais convites para julgar projetos, tampouco foi contemplado nos editais em que inscreveu suas propostas. “Cancelamento não é só ser xingado na internet. Influencer, ao ser cancelado, pode até achar outro público e capitalizar com isso. O pior é o cancelamento de profissionais técnicos e não famosos, como eu”, diz. 

Filme foi boicotado por falar em “fascismo de esquerda” 

Mais conhecido por sua atuação como roteirista (seu currículo inclui, entre outras produções, as séries “Unidade Básica” e “Cidade dos Homens”, além da recente cinebiografia de Silvio Santos), Newton Cannito também assina trabalhos na função de diretor. Um deles, o documentário “Utopia Brasil”, permanece inédito sete anos após sua finalização. 

Produzido com recursos de um fundo público, e concebido como uma série cinco de episódios, o projeto mostra o ambiente do país antes da eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro. A proposta era abordar, com bom humor, temas como polarização, respeito e diálogo — todos ainda atuais.

Mas o canal por assinatura Cine Brasil TV, que inicialmente exibiria a série, recusou-se a colocá-la no ar. De acordo com a justificativa enviada pela empresa ao cineasta, um dos entrevistados, o pesquisador e ensaísta Antônio Risério, defendeu a miscigenação racial em sua fala — o que vai contra o pensamento do movimento negro, apoiado pela emissora.

Para completar, a direção do Cine Brasil TV não gostou do espaço dado a Bolsonaro e da ideia, discutida no programa, de que existe um “fascismo de esquerda”. 

Em seguida, Cannito reeditou o conteúdo e o adaptou para o formato de longa-metragem, pensando em oferecê-lo para festivais de cinema. “Utopia Brasil”, contudo, jamais foi selecionado para qualquer mostra. 

Dividida novamente em episódios, a produção será finalmente disponibilizada numa plataforma digital homônima (utopiabrasil.art.br), criada pelo diretor para compartilhar seus outros projetos e, principalmente, discutir a arte brasileira sem restrições ideológicas.

Cannito aponta “distorção maluca” nas políticas culturais brasileiras 

Foi há apenas pouco mais de um ano que Newton Cannito tomou conhecimento do conceito de “cultura woke”. “Antes eu chamava só de ‘gente chata da esquerda’, ou ‘fascismo da esquerda’”, diz.

“Depois tudo ficou mais claro para mim. É uma ideologia que não vem da base social, e sim foi importada dos Estados Unidos, imposta por empresas e pelo mercado financeiro”, afirma. 

A partir daí, o cineasta iniciou uma espécie de cruzada contra o wokismo no meio artístico brasileiro. E, depois de muitas conversas com outros intelectuais descontentes, surgiu o movimento Artistas Livres, liderado por ele e o também diretor Josias Teófilo (conhecido pelo documentário “O Jardim das Aflições”, sobre o pensamento de Olavo de Carvalho). 

“A gente quer recuperar o contato com o público. Porque todas as políticas culturais são voltadas para os artistas, o que é uma distorção maluca”, diz Cannito. 

Para isso, o grupo se propôs a entrar num território até então dominado apenas pelos artistas e intelectuais de esquerda: o da ação política propriamente dita. 

Durante a campanha eleitoral do ano passado, por exemplo, o coletivo promoveu um jantar para declarar apoio a Ricardo Nunes na disputa à prefeitura de São Paulo. Na ocasião, o governador Tarcísio de Freitas foi representado no evento por sua secretária de Cultura, Marilia Marton.

Grupo quer promover “semanas de arte pós-woke” 

De lá para cá, o movimento cresceu rapidamente. Até que, no início deste mês, nove vereadores da Câmara paulistana protocolaram a abertura da Frente Parlamentar pela Arte Livre — para investigar perseguições ideológicas e propor políticas culturais voltadas para a diversidade de pensamento.

Janaina Paschoal (Progressistas), Adrilles Jorge (União Brasil), Amanda Vettorazzo (União), Lucas Pavanato (PL) e Rubinho Nunes (União) fazem parte desse grupo.

De acordo com Newton Cannito, o próximo passo dos Artistas Livres é convencer prefeituras a promoverem “semanas de arte pós-woke”. “Temos que sair desse debate furado sobre quem foi mais oprimido e começar a imaginar o futuro do Brasil. Porque tudo está mudando muito rápido e precisamos estar preparados”, diz.

Para ele, a grande prova dessa velocidade é a reviravolta conservadora que vem acontecendo nos Estados Unidos desde a campanha à presidência vencida por Donald Trump. “A eleição municipal aqui no Brasil também refletiu isso. Nas disputas para prefeito, quem se associou com a agenda woke acabou perdendo. A força histórica agora é outra”, afirma.

noticia por : Gazeta do Povo