Mudança na postura dos Estados Unidos causou reviravolta no conflito e provocou temores dentro da Europa. Trump tem adotado discurso pró-Rússia, segundo especialista. Trump sobe o tom das críticas e chama presidente da Ucrânia de ditador
A guerra na Ucrânia completará três anos na próxima segunda-feira (24). No entanto, as últimas semanas foram marcadas por episódios que podem representar uma virada definitiva no conflito — principalmente devido à aproximação entre Rússia e Estados Unidos.
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Se até janeiro Europa, Ucrânia e Estados Unidos formavam uma coalizão para conter o avanço russo e garantir a segurança do território ucraniano, agora os aliados estão divididos entre interesses próprios e incertezas sobre o futuro.
▶️ Contexto: A mudança de governo nos Estados Unidos abriu uma nova porta para a Rússia. O presidente Donald Trump prometeu acabar com a guerra na Ucrânia rapidamente e resolveu tomar a frente das negociações.
No dia 12 de fevereiro, Trump anunciou que conversou com o presidente russo, Vladimir Putin, sobre o conflito. No mesmo dia, o secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, afirmou ser improvável que a Ucrânia recupere todo o território que controlava em 2014, quando a Crimeia foi anexada pela Rússia.
Diante disso, a Ucrânia e líderes europeus passaram a desconfiar que os Estados Unidos poderiam negociar um acordo de paz com a Rússia sem a participação do governo ucraniano.
Na terça-feira (18), autoridades dos Estados Unidos e da Rússia se reuniram na Arábia Saudita para discutir a guerra. A Ucrânia afirmou ter sido excluída das negociações.
Após a reunião, Trump chamou o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, de “ditador sem eleições” e atribuiu parte da culpa pela guerra à Ucrânia.
Zelensky, por sua vez, acusou Trump de exigir US$ 500 bilhões em riquezas minerais em troca de apoio e afirmou que “não pode vender a Ucrânia”.
Para Uriã Fancelli, mestre em relações internacionais pelas universidades de Estrasburgo e Groningen, Trump tem adotado a retórica russa e distorcido a narrativa sobre a guerra. Segundo ele, o desfecho das negociações pode ter uma influência global, principalmente na Europa. Leia a análise mais abaixo.
Quais os interesses de cada parte?
Zelensky e Trump se reúnem na Trump Tower, em Nova York, em 27 de setembro de 2024
Shannon Stapleton/Reuters
A guerra de narrativas envolvendo Ucrânia, Rússia, Estados Unidos e Europa expôs os interesses de cada lado. Veja a seguir:
🔵 Interesses dos EUA: Trump condicionou a ajuda dos EUA à Ucrânia à concessão de direitos sobre as chamadas “terras raras”.
Essas regiões ucranianas possuem minerais valiosos, essenciais para a indústria eletrônica. Entre eles estão manganês, urânio, titânio, lítio, minérios de zircônio, além de carvão, gás e petróleo.
Inicialmente, Zelensky havia elaborado um “plano da vitória” que permitia a exploração desses minerais por aliados em solo ucraniano.
Diante da aproximação entre Trump e Putin, Zelensky recusou um acordo proposto pelos EUA sobre as terras raras, já que o governo Trump não forneceu as garantias de segurança necessárias.
Trump também sugeriu que a Ucrânia realize eleições presidenciais. Atualmente, no entanto, o país não pode realizar pleitos devido à Lei Marcial em vigor. Especialistas avaliam que, mesmo sem essa restrição, seria difícil organizar uma eleição em meio à guerra.
🔵 Interesses da Ucrânia: Zelensky busca garantias de que terá de volta todo o território invadido pela Rússia e quer uma paz duradoura.
A Ucrânia exige a devolução da Crimeia, anexada ilegalmente em 2014, e a retirada de todas as tropas russas do leste do país.
O governo ucraniano também quer ingressar na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), aliança militar composta pelos EUA e países europeus.
No curto prazo, a Ucrânia continua pedindo financiamento e ajuda militar para combater as tropas russas e defender seu território.
Em um cenário pós-guerra, é avaliada a presença de tropas europeias para garantir a segurança do país.
A Ucrânia também está em processo de adesão à União Europeia.
🔵 Interesses da Rússia: Desde o início da guerra, Putin chamou o conflito de “operação militar” e afirmou que seu objetivo era “desnazificar” a Ucrânia.
Na prática, porém, Moscou teme a entrada da Ucrânia na Otan. A Rússia acusa os EUA de não terem cumprido uma promessa feita na década de 1990 de que não expandiriam a aliança militar.
Além disso, o Kremlin deseja manter sua influência histórica sobre a Ucrânia, que fez parte da União Soviética.
A Crimeia é vista como um território estratégico para a Rússia, pois tem uma posição privilegiada no Mar Negro e contribui para a defesa do país.
Em um eventual acordo de paz, a Rússia também quer manter o controle sobre as regiões de Donetsk, Kherson, Luhansk e Zaporizhzhia, áreas ricas em recursos naturais e minerais.
🔵 Interesses da Europa: Para a Europa, a Ucrânia é fundamental para a estabilidade do continente.
O temor europeu é que a Rússia possa realizar novos ataques no futuro, caso não seja contida agora.
Por isso, uma solução para a guerra é vista como determinante para a segurança do bloco.
Diante desse cenário, líderes europeus exigem participação ativa nas negociações de paz entre Rússia e Ucrânia.
A postura dos EUA no conflito também levantou debates sobre a necessidade de uma Europa mais autônoma em questões de segurança, já que o continente historicamente depende dos norte-americanos nessa área.
Ao mesmo tempo, a Europa tem uma dependência energética da Rússia, principalmente de gás. No início de 2025, a Ucrânia encerrou o trânsito de gás russo pelo seu território, afetando o fornecimento ao continente.
Implicações para o mundo
O presidente Donald Trump se encontra com o presidente russo Vladimir Putin em Helsinque, na Finlândia, em 16 de julho de 2018
Kevin Lamarque/Reuters/Arquivo
Uriã Fancelli, especialista em Relações Internacionais, afirma que a Rússia invadiu a Ucrânia sem ser provocada. Ele ressalta que a adesão ucraniana à Otan não era uma possibilidade concreta a curto prazo, apesar das justificativas de Putin para a guerra.
Ao culpar a Ucrânia pelo conflito, Trump rompe com a postura tradicional dos EUA e adota um discurso mais alinhado à Rússia.
“Esse posicionamento já representa um grande choque para a Europa, que há décadas conta com os EUA como seu principal garantidor de segurança”, afirma.
Em termos gerais, o posicionamento de Trump pode resultar em um enfraquecimento da própria Otan. O bloco tem demonstrado desconforto com a aproximação entre Rússia e EUA. O presidente norte-americano já criticou várias vezes a contribuição dos aliados europeus na aliança militar.
Para Fancelli, neste cenário, a Europa pode ser a mais afetada caso um acordo favoreça a Rússia.
“O problema se agrava ainda mais quando se considera o impacto interno: a necessidade de maiores investimentos em defesa obrigaria os governos europeus a realocar recursos de setores essenciais, como o bem-estar social, um pilar fundamental da política europeia”, diz.
Segundo ele, tais mudanças poderiam resultar em uma percepção de piora na qualidade de vida e fortalecer partidos extremistas — sendo que muitos são abertamente pró-Rússia.
Em um contexto mais abrangente, outros países do mundo também poderiam ser afetados, principalmente do ponto de vista econômico. A própria guerra na Ucrânia desestabilizou o comércio internacional e provocou inflação ao redor do mundo.
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Fonte: G1
Cessar-fogo na Ucrânia: o que querem Trump, Putin, Zelensky e Europa, e quais as possíveis implicações para o mundo
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