O quadro que levou Jair Bolsonaro (PL) a se submeter neste domingo (13) à sexta cirurgia abdominal desde 2018 é mais sério do que o das outras vezes e seu prognóstico é incerto, afirmam médicos especialistas no tema.
O procedimento começou por volta das 10h20 e, em postagem às 18h, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro disse que levaria mais uma ou duas horas para ser concluído.
O trauma da facada no intestino durante a campanha eleitoral de 2018 e as sucessivas intervenções causaram aderências (partes do órgão que ficam coladas) que levam à obstrução do trânsito intestinal.
De acordo com cirurgiões ouvidos pela Folha, a cirurgia desta vez é de maior risco devido ao local estar fragilizado pelo número de procedimentos já realizados anteriormente.
Segundo eles, todas as vezes em que alguém sofre um trauma grave, como uma facada, e é operado, ou seja, que a cavidade abdominal é violada de alguma forma, surgem aderências, algo intrínseco ao organismo e ao processo de cicatrização.
“A cicatrização gera fibrose e aderências. Quanto mais vezes se entra na cavidade abdominal, no peritônio, e se mexe no intestino, mais e mais aderências vão surgindo”, explica Diego Adão Fanti Silva, professor de emergência cirúrgica da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Ele afirma que essas aderências têm uma fase, em geral nos seis primeiros meses após a cirurgia, em que são mais duras e em maior quantidade. Com o passar do tempo, o próprio organismo desfaz algumas delas.
Porém, no caso de quem já fez muitas cirurgias, como Bolsonaro, por mais que se espere meses e meses, algumas aderências não se desfazem nunca mais.
“Então, é verdade que é cirurgia de hoje vai ser mais difícil que a anterior, que foi mais difícil quer a anterior e assim por diante. A tendência é ficar cada vez mais difícil.”
De acordo com Carlos Walter Sobrado, professor livre docente do departamento de gastroenterologia da Faculdade de Medicina da USP, essas aderências fazem com que várias estruturas dentro da parede abdominal grudem umas com as outras.
“É como uma cola Superbonder. Às vezes, gruda o intestino com estruturas vitais, tipo intestino com pâncreas, com fígado, com vesícula, com artéria aorta, com o ureter e com as próprias alças intestinais.”
Segundo ele, a obstrução intestinal diagnosticada nesta semana em Bolsonaro pode ter ocorrido devido a um desses cenários acima, e a cirurgia tende a ser muito difícil.
“Nas aderências intestinais, o cirurgião nunca sabe o que vai encontrar, você só tem uma ideia. A gente brinca que é uma cirurgia para médicos que têm cabelos brancos, ou seja, cirurgia para quem já operou muitos traumas, casos de urgência, pessoal especializado em cirurgias gastrointestinais.”
Ainda não se sabe qual aderência causou a obstrução intestinal atual. “Se for uma aderência superficial e única, pode ser que não seja necessário desfazer tudo o que esteja aderido e consiga se resolver só o ponto da obstrução atual”, diz Diego Silva, da Unifesp.
Sobrado afirma que, mesmo em mãos de bons e experientes cirurgiões, há riscos durante o descolamento das aderências de Bolsonaro. “Pode ter perfurar uma nova alça que esteja grudada muito forte. Por mais que se vá devagarinho, com muita paciência, pode furar um órgão.”
O ex-presidente também não está livre de voltar a apresentar o mesmo problema no futuro. Ele pode ficar bem e, daqui algum tempo, voltar a ter novas crises por novas aderências e precisar de novas cirurgias, segundo eles.
De acordo com o professor da Unifesp, o cenário mais grave agora seria a equipe médica não encontrar um ponto específico de obstrução. Nesses casos, uma opção é tentar soltar todas as aderências visíveis. Se isso acontecer, Bolsonaro poderá ficar mais tempo internado, necessidade de dieta parenteral (pela veia).
Há também a hipótese de a equipe cirúrgica não conseguir resolver nenhuma aderência e ter que fechar sem resolver o problema. É o que se chama de abdome congelado, quando quase nada é possível se feito.
“Precisa ver o que vai acontecer dentro da cirurgia para saber qual o cenário daqui para frente. Pode ser que não seja o pior e que, após a cirurgia, ele consiga voltar ao estágio inicial.”
Silva diz que o procedimento não mexe em estruturas vasculares ou de alto risco. Segundo Sobrado, a literatura aponta que a taxa de mortalidade nesses casos de aderências intestinais é entre 2% e 6%. “Mas, como são pessoas muito experientes que estão cuidando de Bolsonaro, deve correr tudo bem.”
noticia por : UOL