O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, condicionou nesta quarta-feira (21) o fim da guerra na Faixa de Gaza à implementação de um controverso plano de deslocamento forçado defendido pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. A proposta do republicano tem sido criticada de forma incisiva pela ONU e por grupos de direitos humanos, que a associam à limpeza étnica.
De acordo com o jornal The Times of Israel, Netanyahu disse estar pronto para encerrar a guerra “desde que condições claras garantam a segurança” de seu país. O premiê exigiu o retorno dos reféns ainda mantidos em Gaza, a rendição do grupo terrorista Hamas e o exílio de sua liderança, o desarmamento total no território palestino e a implementação do plano de Trump, que ele disse ser “correto e revolucionário”.
Foi a primeira vez que o governo israelense mencionou a proposta dos EUA como condição para encerrar o conflito. Em janeiro, Trump sugeriu a transferência da população de Gaza para outros países árabes com o objetivo de “limpar a coisa toda” após mais de um ano de destruição na guerra entre Israel e Hamas.
Na semana passada, o americano voltou a manifestar o desejo de assumir o controle de Gaza. Em viagem ao Qatar, um dos países que medeiam o conflito, ele afirmou que Washington “transformariam aquilo [Gaza] em uma zona de liberdade” e que “não há mais nada a ser salvo” no território palestino.
As denúncias de que projeto, caso concretizado, desrespeitaria os princípios fundamentais do direito internacional e configuraria uma limpeza étnica não impediram, contudo, ministros israelenses de apoiar o plano. O chefe da pasta de Defesa, Israel Katz, por exemplo, disse em março que criaria um órgão para ajudar a implementar a ideia de Trump e facilitar o que chamou de saídas voluntárias. Agora, a proposta tem o endosso público de Netanyahu, o líder da coalizão de governo mais à direita da história do país.
Em sua fala desta quarta, Netanyahu afirmou que pedir o fim da guerra antes do cumprimento das exigências apresentadas por ele equivale a apoiar a permanência do Hamas no poder. Em seguida, ele voltou a dizer que o Exército israelense controlará toda a Faixa de Gaza ao fim do conflito. O premiê disse ainda que está de prontidão para um “cessar-fogo temporário” numa eventual libertação de reféns.
As declarações foram feitas em um momento em que Netanyahu é mais pressionado do que nunca devido ao conflito em Gaza. Nos últimos dias, vários países europeus, incluindo aliados históricos de Israel, questionaram a persistência do conflito e criticaram um bloqueio determinado por Tel Aviv à entrega de ajuda humanitária no território palestino, já devastado devido aos bombardeios incessantes.
O governo israelense disse na segunda (19) ter autorizado entregas limitadas de ajuda à população de Gaza pela passagem de Kerem Shalom, no sul do território. Mas, até o começo da noite desta quarta, os suprimentos não tinham sido distribuídos, de acordo com as Nações Unidas.
O Exército israelense disse que cinco caminhões de ajuda humanitária entraram em Gaza na segunda (19) e 93 no dia seguinte. Nesta quarta, outros cem teriam tido acesso ao território. Mas funcionários de organizações humanitárias e de padarias locais afirmam que os suprimentos não chegaram aos refeitórios comunitários, mercados, hospitais e padarias.
“Nenhuma dessa ajuda chegou à população de Gaza”, disse Antoine Renard, diretor do PMA (Programa Mundial de Alimentos), acrescentando que os caminhões pareciam estar parados no centro logístico.
Apesar da catástrofe humanitária, um grupo de manifestantes israelenses tentou bloquear a entrada de suprimentos em Gaza pela passagem de Kerem Shalom. Sem apresentar provas, eles disseram que os mantimentos abasteceriam integrantes do Hamas.
O bloqueio à ajuda deixou os moradores de Gaza em uma luta cada vez mais desesperada pela sobrevivência, apesar da crescente pressão internacional e interna sobre o governo israelense, que, segundo um político da oposição, corre o risco de transformar o país em um Estado pária.
“Não há farinha, comida ou água”, disse Sabah Warsh Agha, uma mulher de 67 anos na cidade de Beit Lahiya, no norte de Gaza. “Costumávamos bombear água, mas o equipamento parou de funcionar porque também não há diesel nem gasolina.”
Israel impôs o bloqueio em março sob a justificativa de que o Hamas estava confiscando suprimentos destinados a civis. Segundo Tel Aviv, um novo sistema apoiado pelos EUA, que utiliza empreiteiras privadas, ficará responsável pela distribuição de ajuda. Ainda nesta quarta, o secretário de Estado americano, Marco Rubio, disse ter um “certo nível de otimismo” sobre acordos que levem ao fim da guerra.
Enquanto as pessoas esperavam pela ajuda, ataques aéreos e disparos de tanques mataram pelo menos 34 pessoas em Gaza nesta quarta, disseram autoridades de saúde palestinas, ligadas ao Hamas. O Exército israelense afirmou que os bombardeios aéreos atingiram 115 alvos, incluindo lançadores de foguetes, túneis e infraestrutura militar não especificada.
A retomada dos ataques a Gaza desde março, após um cessar-fogo de dois meses, é questionada por países que há muito tempo são cautelosos em expressar críticas abertas a Israel. Até mesmo os EUA, o aliado mais importante do país, deram sinais de que estão perdendo a paciência com Netanyahu.
O Reino Unido suspendeu as negociações com Israel sobre um acordo de livre comércio, e a União Europeia afirmou que revisará um pacto sobre relações políticas e econômicas devido à “situação catastrófica” em Gaza. Reino Unido, França e Canadá ameaçaram “ações concretas” se Israel continuar sua ofensiva.
Pesquisas de opinião indicam forte apoio a um cessar-fogo que garantiria o retorno de todos os reféns. No entanto, integrantes linha-dura do gabinete insistem na continuidade da guerra até o que chamam de “vitória final” e defendem a expulsão dos palestinos de Gaza.
noticia por : UOL