quinta-feira, 29, maio , 2025 01:08

Câmara acumula notas de repúdio por violência política contra mulheres, e subnotificação persiste

“Cortesã”, “agarrada à força com beijo e abraço”, “vagabunda” e “desonesta”, “mensagens e fotos da parlamentar […] expostas ‘como se ela fosse uma vitrine, colocada à avaliação’ “, “direito à fala cortado”, “cassação”, sugestão em rede nacional de que deveria ser “metralhada” e “ir lavar roupa e costurar as calças e cuecas do seu marido”, “escritório político invadido e depredado”, ameaça com detalhes da rotina e que “ainda citava os nomes dos filhos”. “Histéricas”, “deputérias”, “homicídio”.

Esses são trechos retirados de notas de repúdio feitas pela Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, disponíveis no site da Casa, em referência a casos ocorridos nos últimos sete anos contra políticas no Brasil.

Os episódios ilustram a persistente violência política de gênero no país, que registra nível preocupante apesar de avanço recente sobre o tema na legislação, na interpretação de especialistas ouvidos pela Folha.

Nesta terça (27), a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, abandonou a Comissão de Infraestrutura do Senado depois que o líder do PSDB, senador Plínio Valério (AM), afirmou querer separar a mulher da ministra porque a primeira merecia respeito e a segunda, não. Ele já havia ofendido Marina em março, quando disse ter vontade de enforcá-la.

Segundo a Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, o tema da violência política de gênero mobilizou 63 denúncias junto ao órgão desde 2013, número considerado bem abaixo das ocorrências pelo país que atingem políticas das esferas municipal, estadual e federal.

A realidade de altos índices de ocorrência é atestada por pesquisas como a intitulada “Violência Política e Eleitoral no Brasil”, das organizações Terra de Direitos e Justiça Global. Segundo o estudo, apenas entre o período de 1º de novembro de 2022 a 27 de outubro de 2024 houve 274 casos de violência política contra mulheres.

A análise leva em consideração casos de violência envolvendo cargos diretamente ligados à política institucional, de pré-candidatas a figuras partidárias. A coleta de casos foi feita por meio de uma varredura na internet baseada em palavras-chave, além de busca manual em plataformas como o Google, redes sociais e jornais, apontam as organizações.

Das denúncias que a Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados afirma já ter recebido sobre o tema, 35 geraram notas de repúdio atualmente disponíveis no site da Câmara. Essas notas apontam o uso de termos que depreciam a mulher na política associando-a a atividades sexuais, como “cortesã” e “vagabunda”, acompanhados de discursos sobre “histeria”.

Um exemplo é o episódio no qual o ex-ministro e ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT) afirmou, em abril de 2024, que a então senadora pelo PT Janaína Farias fazia “serviço particular” de “harém”. Em nota divulgada no mesmo mês, a Secretaria da Mulher repudiou a fala e citou outros episódios misóginos envolvendo o político.

O órgão também repudiou ocorrência em que o deputado federal Bibo Nunes, então no PSL, atacou deputadas federais durante sessão da Câmara em dezembro de 2020. Na ocasião, ele disse que chamaria as congressistas de “deputérias” e “deputadas histéricas” que “não respeitam minimamente o presidente da República”.

A coletânea de manifestações registra a ameaça de morte feita em agosto de 2024 contra a deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ) e episódios como quando o apresentador Carlos Massa, o Ratinho, disse em rede nacional que a deputada Natália Bonavides (PT-RN) devia ser “metralhada” e “ir lavar roupa e costurar as calças e cuecas do seu marido”.

Os textos citam ameaça de morte, racismo, ofensa a mulheres trans, assédio sexual, interrupção de fala no plenário, objetificação e exposição nas redes sociais, cassação, discurso de ódio na imprensa, depredação de escritório e homicídio, este último em referência ao assassinato em Magé (RJ) da pré-candidata a vereadora Sandra Silva (PSB) em agosto de 2020.

Segundo a PGE (Procuradoria-Geral Eleitoral), seu grupo de trabalho sobre o tema acompanha 320 representações envolvendo violência contra mulheres na política. As representações chegam ao GT por iniciativa do próprio grupo, de vítimas, partidos, órgãos públicos ou entidades da sociedade civil.

Análise dessas representações apontam ocorrência em quase todos os estados do Brasil e tipos diferentes de violência, como física, moral, simbólica, psicológica, sexual e econômica e estrutural, que por vezes se aglutinam em um mesmo episódio.

Os casos passaram a ser contabilizados sobretudo a partir de 2021, ano em que a lei 14.192/2021 tipificou a violência política contra a mulher como crime. O dispositivo legal definiu o ato como “toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher”.

Segundo a procuradora Raquel Branquinho, que é coordenadora do GT, a lei foi um marco para a discussão do tema no Brasil ao trazer uma definição para esse tipo de violência.

Ela afirma que as mulheres “têm compreendido cada vez mais o que é a violência de gênero” e diz que a sociedade tem que acompanhar de perto o assunto a fim de fomentar avanços na legislação. “Eu acho que ainda tem muita subnotificação, mas há uma grande visibilidade a partir deste trabalho construído em rede pelo Sistema de Justiça”, diz.

Apesar do avanço com a lei que tipificou o crime e trouxe alterações no Código Eleitoral, é preciso reivindicar melhorias na legislação para amparar mais mulheres, dizem especialistas. Atualmente, a lei 14.192/2021 é voltada apenas a candidatas e detentoras de mandatos eletivos, além de apresentar outras lacunas.

“A lei não prevê, por exemplo, porta de entrada para as denúncias nem o fluxo a ser seguido”, afirma Marlise Matos, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

A pesquisadora afirma identificar o aumento da violência em entrevistas com congressistas. Como casos importantes de serem lembrados, cita o assassinato de Marielle Franco (PSOL-RJ), o impeachment de Dilma Rousseff (PT) e os ataques à ex-deputada Joice Hasselmann. Outros episódios lembrados por especialistas são o assédio a Isa Penna e as agressões contra Benny Briolly e Manuela d’Ávila.

Segundo Twig Lopes, doutora em direito e pesquisadora do Laboratório de Monitoramento de Avaliação de Políticas e Eleições, vinculado à Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), a lei precisa ser aperfeiçoada para contemplar mais mulheres na política, o que pode ocorrer com a aprovação do novo Código Eleitoral.

“Se a gente hoje consegue identificar que uma série de xingamentos são violência política é porque temos uma lei sobre isso”, diz. “Mas, enquanto ocorrência, dimensões e manifestações, tem-se identificado o aumento exponencial dos casos, sobretudo no período que antecede a corrida eleitoral”.

Como denunciar a violência política contra a mulher

Segundo a procuradora Raquel Branquinho, no geral qualquer um pode fazer uma representação junto ao MPE (Ministério Público Eleitoral) ao identificar uma agressão contra uma mulher em atividade política e eleitoral.

A ação pode ser feita online na página da Procuradoria-geral Eleitoral. Para tanto, basta seguir as orientações disponíveis na página de denúncias.

noticia por : UOL