segunda-feira, 9, junho , 2025 02:49

Atentado na Colômbia revela método de grupos da esquerda: violência política

O cenário político global atual parece reverberar o eco da violência política do passado com um som dissonante e inquietante: a imagem do político colombiano de centro-direita, Miguel Uribe, alvejado em pleno comício por opositores de esquerda aparentemente ligados ao narcoterrorismo, não é um incidente isolado; é, ao contrário, um grito de alarme que rasga a já frágil tapeçaria da democracia.

Esse doloroso episódio ressoa de maneira perturbadora com outros atentados que marcaram a paisagem política recente, como o ataque a Jair Bolsonaro no Brasil, a agressão a Donald Trump nos Estados Unidos e o assassinato de Fernando Villavicencio no Equador. Tais eventos, independentemente de suas especificidades e das nuances de autoria, traçam preocupante padrão: a escalada da violência empreendida por grupos de esquerda contra figuras políticas, orquestrada por aqueles que enxergam no adversário não oponente a ser debatido, mas inimigo a ser eliminado.

Em meio a essa atmosfera carregada de intolerância, torna-se urgentíssimo e inadiável lançar olhar aprofundado sobre esse fenômeno. Essa violência política não é anomalia recente, mas revela um modus operandi historicamente discernível e persistentemente utilizado por certas correntes de grupos políticos radicalizados de esquerda, cujas raízes e estratégias merecem ser compreendidas para que possamos confrontar os fantasmas de um passado que insiste em assombrar o presente.

Ainda que a definição de terrorismo continue a ser objeto de intenso debate, um consenso emerge em torno da ideia de que se trata do uso sistemático da violência como método – ou da ameaça de sua aplicação – por atores não estatais, com o objetivo de gerar medo, coagir governos ou populações, e alcançar objetivos políticos, ideológicos ou religiosos.

Nesse contexto, o ataque direto a figuras políticas insere-se na lógica da violência política. Tal estratégia busca deslegitimar, paralisar, ou eliminar a oposição, enviando mensagem clara de que a intransigência ideológica pode escalar para a agressão física.

Assassinatos

Historicamente, diversos movimentos de esquerda, desde os anarquistas do final do século XIX, com sua “propaganda pela ação”, originária das ideias do “revolucionário” russo Mikhail Bakunin – que incluía atentados e assassinatos de chefes de Estado para inspirar a revolução – até as guerrilhas urbanas do século XX, adotaram a violência como tática central. A premissa era que a ação violenta, mesmo isolada, poderia catalisar a consciência revolucionária e desestabilizar o status quo.

Exemplos emblemáticos dessa estratégia abundam na história: as Brigadas Vermelhas, na Itália, organização marxista-leninista ativa nas décadas de 1970 e 1980, notabilizaram-se por sequestros, assassinatos de políticos, juízes e empresários, e atentados a bomba. O sequestro seguido de assassinato do ex-primeiro-ministro Aldo Moro em 1978, por exemplo, foi uma tentativa de forçar o Estado italiano a ceder às suas exigências e desestabilizar o sistema político.

A Facção do Exército Vermelho, conhecida também como Gangue Baader-Meinhof, de extrema-esquerda, utilizou sequestros, assaltos a bancos e assassinatos de figuras proeminentes do establishment político e empresarial  da Alemanha Ocidental na década de 1970, com o objetivo de detonar uma revolução.

A América Latina não ficou imune a essa praga, sendo as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) notório expoente. Embora seu perfil tenha se complexificado ao longo do tempo com o envolvimento no narcotráfico, as FARC nasceram como um grupo guerrilheiro de inspiração marxista-leninista. Ao longo de décadas, utilizaram sequestros de políticos e civis, atentados e emboscadas como ferramentas para pressionar o Estado colombiano e manter sua influência territorial.

No Peru, o Sendero Luminoso, grupo maoísta ativo a partir dos anos 1980, empregou violência brutal e indiscriminada, incluindo massacres de camponeses, assassinatos seletivos de prefeitos e líderes comunitários e atentados terroristas em centros urbanos, visando à derrubada do Estado e à implantação de um regime comunista.

Vários grupos inspirados na Revolução Cubana, como os Tupamaros no Uruguai, Montoneros na Argentina, ALN no Brasil, dentre outros, se valeram de sequestros, assaltos e, em alguns casos, execuções de figuras políticas ou empresariais como forma de confrontar o Estado e promover a luta armada.

No presente, os episódios envolvendo Miguel Uribe, Jair Bolsonaro, Donald Trump e Villavicencio reverberam essa longa tradição de violência política dirigida a figuras simbólicas do “inimigo” ideológico e demonstram a persistência da ideia de que a violência contra o indivíduo pode servir a um propósito político maior, seja ele a desestabilização, a intimidação ou a remoção do opositor.

Punições brandas

É notório que essa predisposição à violência política encontre terreno mais fértil e ousadia em contextos nacionais onde a resposta do Estado a atos de criminalidade e a manifestações de violência política de caráter ideológico, especialmente quando associadas a setores de esquerda, tem sido percebida como por vezes leniente ou inconsistente.

Em nações como o Brasil e a Colômbia, que enfrentam desafios históricos com a impunidade e a fragilidade de suas instituições, a percepção de que a agressão ideologicamente motivada pode não ser rigorosamente combatida ou punida acaba por, inadvertidamente, alimentar a audácia de tais iniciativas.

Desumanização

A opção pelo terrorismo não é uma escolha aleatória, que surge do nada ou que funcione em um vácuo. É uma estratégia de ação lógica, racional, programada e com objetivos, geralmente, claros e específicos. O terrorismo promove a idealização e a exaltação da violência como uma forma desejável de participação política, ancorada por uma suposta ideologia justificadora da ação. Dessa forma, a violência torna-se algo “positivo” e transformador, não apenas um meio justificável pelos fins, mas um fim em si mesmo.

Assim, prega-se a destruição dos valores comunitários e a rejeição da moralidade vigente. Para que possam realizar sua missão e empreender ataques contra a população ou outros alvos, os terroristas são doutrinados – dentro de um espectro que varia do político-ideológico ao religioso – e treinados em técnicas de desengajamento moral e de desumanização, que os levam a se julgarem diferentes do resto da humanidade e portadores de uma verdade universal.

Seus integrantes são anonimizados, seus reflexos morais são anestesiados e sua natureza humana é encoberta por uma vestimenta de freedom fighter (guerreiro da liberdade). Por meio desse desengajamento, os terroristas passam a ver as outras pessoas não como seus semelhantes, mas como entes desumanizados ou meros animais.

A desumanização remove o ônus de matar pessoas inocentes e permite que a violência seja empregada indiscriminadamente contra todos que são percebidos como “inimigos”. Comumente, grupos que assumiram a autoria de atentados se referiram a suas vítimas como “porcos” ou “cães”, além de outros epítetos depreciativos, os quais não seriam dignos de qualquer compaixão humana.

Estilo de vida

 A consequência direta da exaltação da violência e da rejeição da moralidade é a renúncia da política, da negociação e do diálogo como meios pelos quais as comunidades resolvem conflitos. Para os terroristas, a violência não é uma arma política para ser usada em casos extremos, mas sim um substituto para todo o processo político.

Em algumas situações, entrar para uma organização terrorista, como o Primero Comando da Capital (PCC) e dedicar-se às suas atividades se torna não só uma forma de atingir objetivos políticos ou sociais, mas também uma forma de viver, um estilo de vida causado pela incapacidade de se adaptar aos padrões de determinada comunidade e que explicita a renúncia aos valores morais da sociedade onde se está inserido, em prol de interesses particulares.

Assim, ao ceifar vidas e destruir propriedades, os terroristas objetivam desconstruir as instituições estatais democráticas, abalando a fé dos cidadãos em seu governo e provocando repressão policial ou militar, as quais, se não bem direcionadas, podem minar a estrutura político-social, transformando democracias em estados militarizados em permanente prontidão.

A persistência da violência política, notadamente aquela originada de radicalizações ideológicas que historicamente permearam e, como dolorosamente observamos, ainda permeiam setores da esquerda radical, não é meramente um dado histórico a ser friamente analisado. É uma advertência contundente e um eco perturbador de um passado em que a pólvora e o punhal, com frequência lamentável, substituíram o debate e o voto.

É, portanto, imperioso e inegociável reconhecer que a radicalização e a intransigência ao diálogo, que por vezes culminam em atos de violência física contra o adversário político, são comportamentos absolutamente inaceitáveis em qualquer democracia que se preze.

Quando a discordância política transborda para o ataque pessoal, para a desumanização do outro e para a agressão física, as fundações do Estado de Direito e da própria civilidade são irremediavelmente corroídas. A premissa de que os fins justificam os meios, tão cara a certas vertentes ideológicas, mostra-se, mais uma vez, como um caminho que pavimenta a barbárie.

O custo de tal intolerância não se mede apenas nas cicatrizes físicas dos agredidos, como a que deformou o abdômen de Jair Bolsonaro, mas na profunda ferida infligida à confiança social, na deslegitimação das instituições e no perigoso precedente de que a força bruta pode se sobrepor à persuasão e ao respeito mútuo.

A história nos ensina, com desoladora clareza, que o caminho da violência política é um beco sem saída que invariavelmente leva à espiral de retaliação e à falência do projeto democrático.

Diante de tal cenário, a condenação enérgica de todas as formas de violência política, independentemente de sua origem ideológica, torna-se um imperativo moral e um pilar para a preservação das liberdades civis e do debate político salutar.

É um apelo à razão, à moderação e, acima de tudo, ao reconhecimento de que a essência da política reside na capacidade de conviver com o dissenso, sem que a paixão ideológica descambe para a barbárie. O futuro de nossas democracias exige que a voz da razão e da civilidade prevaleça sobre os gritos da intolerância.

Marcos Degaut é doutor em Segurança Internacional, pesquisador sênior na University of Central Florida (EUA), ex-Secretário Especial Adjunto de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e ex-Secretário de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa.

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noticia por : Gazeta do Povo