Idealmente, não se deveria usar gás, carvão ou qualquer outro combustível fóssil para gerar eletricidade, e sim as fontes renováveis —água, vento, radiação solar, biomassa e biogás. Ou a energia nuclear, que não emite gases de efeito estufa —GEE. Todavia, a dispensa completa de combustíveis fósseis ainda não é possível. Principalmente o gás natural, que é chamado de combustível de transição, porque emite cerca da metade de GEE que uma usina movida a carvão emitiria para produzir a mesma quantidade de energia elétrica.
O uso exclusivo de fontes renováveis seria possível se o SIN (Sistema Interligado Nacional) fosse robustecido com baterias, cujos preços estão em queda, e com novas usinas hidrelétricas. Tanto as tradicionais, dotadas de reservatórios de regularização, quanto as reversíveis, que alternam períodos de produção e de consumo de eletricidade de forma complementar à produção das usinas solares e eólicas (as reversíveis produzem energia quando a geração conjunta das solares e eólicas for pequena; e consomem quando a geração das solares e eólicas for grande).
Nas condições atuais, as usinas movidas a gás natural podem e devem operar de forma flexível. Ou seja, na maior parte do tempo não precisam funcionar, ao contrário do que acontece em países com poucos recursos naturais. No Brasil, devem ser acionadas apenas em duas situações especiais. A primeira, quando os reservatórios das hidrelétricas estiverem vazios devido à ocorrência de uma seca extrema. É um fenômeno raro. A segunda, mais comum, quando as usinas hidrelétricas precisarem da ajuda das termelétricas para compensar abruptas variações de produção das usinas solares e/ou eólicas. Tanto as variações previsíveis, que ocorrem diariamente quando o sol se põe, quanto as imprevisíveis, que ocorrem quando não há sol nem vento.
Nada disso foi considerado na lei de privatização da Eletrobras, que força a entrada no SIN de térmicas a gás que terão de funcionar 70% do tempo, emitindo GEE, ainda que os reservatórios das hidrelétricas estejam cheios, o sol, brilhando, e o vento, soprando. Sob a ótica do setor elétrico e ambiental, trata-se de um regramento legal que não faz o menor sentido!
A lei tem um artigo “jabuti” que estabelece um cronograma anual de leilões para a compra em contratos de longo prazo da energia a ser produzida por essas usinas inflexíveis. Por enquanto, um único certame foi realizado, em 2022. Só 38% do volume de energia oferecido pelo lado comprador foi contratado porque o preço-teto, embora elevado, foi insuficiente para viabilizar a construção e a operação de usinas em locais onde seria preciso construir, além da usina, os dutos para trazer o gás.
O lobby que atua no Congresso Nacional para jogar o custo de construção de gasodutos no setor elétrico conseguiu incluir outro “jabuti”, em outra lei (a que versa sobre eólicas offshore), para elevar mais ainda o preço-teto e assim viabilizar a contratação de usinas a gás não competitivas. Com essa manobra, o custo de construção de gasodutos pode chegar à conta de luz de dona Maria.
Não chegará se o veto do presidente Lula for mantido pelo Congresso no exame que fará sobre o assunto nos próximos dias. Oxalá o Congresso se solidarize com dona Maria e mantenha o veto.
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noticia por : UOL