Estas empresas pregam “diversidade” e “inclusão”, mas só têm brancos no comando

As agendas de diversidade, equidade e inclusão (DEI) e ESG (meio ambiente, social e governança) dentro das empresas começaram como tendências, se tornaram obrigações e viraram ativos de publicidade. Na efervescência da cultura woke, muitas marcas adotaram programas com foco nas minorias.

As intenções podem ter sido diversas: preocupação genuína com os desfavorecidos, pressão do consumidor woke ou simplesmente o lucro. O acesso ao crédito também pesou, já que muitos bancos passaram a vincular seus empréstimos ao cumprimento de metas de ESG.

Em algumas companhias, o resultado foi a adoção de programas de cotas raciais (ou similares). Já em outras, a nova agenda não passou da superfície.

Apesar do discurso, muitas das grandes empresas que se apresentam como preocupadas com a diversidade continuam sendo comandadas por brancos. São companhias que não têm negros na diretoria executiva ou no conselho administrativo.

Ou seja: nas funções responsáveis pelas grandes decisões estratégicas, essas empresas não parecem se preocupar tanto com a inclusão. É como se os executivos pretendessem blindar as próprias funções em meio à onda woke.

Das cinco empresas listadas abaixo, apenas o Carrefour tem uma pessoa negra dentre as funções mais elevadas — ainda assim, na posição de “conselheira independente”.

1. Magalu

Em 2020, a gigante varejista lançou um programa de trainees exclusivo para candidatos negros. Até agora, 30 profissionais concluíram o curso. Segundo a empresa, 18 deles estão em posições de destaque. Atualmente, o Magalu afirma que 54,7% dos funcionários e 48% das funções de liderança são negros.

Mas a diretoria e o conselho de administração do Magalu são compostos apenas por pessoas brancas. Os diretores e conselheiros da empresa (pertences ou não à família Trajano) não cumprem as cotas de “diversidade” da qual a empresa tanto se orgulha.

“Hoje, não temos, ainda, conselheiros negros. O aumento do número de profissionais pretos e pardos em todos os nossos cargos de liderança é um processo evolutivo, e que está em franca aceleração. A empresa acredita que, em breve, terá, também, conselheiros negros”, afirmou o Magalu à Gazeta do Povo.

“Ao longo de 67 anos, o Magalu construiu uma forte cultura de responsabilidade empresarial, que estimula a diversidade e a inclusão em todas as suas dimensões. Não se trata apenas de um ideal justo e correto: quanto mais heterogêneo for o quadro de colaboradores, maior será a identificação com os 37 milhões de clientes espalhados pelo país”, disse o Magalu.

2. Grupo Carrefour Brasil

Na esteira do programa de trainees do Magalu, o Carrefour Brasil abriu em 2021 uma seleção semelhante. Além da agenda woke reverberando mundo afora, no caso da rede de supermercado, um outro episódio afetou a decisão: em 2020, na véspera do Dia da Consciência Negra, um homem negro foi espancado até morte em uma unidade da rede.

Desde então, o Carrefour cresceu suas ações voltadas para a causa, com capacitação, vagas afirmativas e treinamento. Outras medidas foram aderidas e divulgadas pela empresa, como Letramento Racial para funcionários e consultoria com a empresária Rachel Maia.

Segundo o Grupo Carrefour Brasil, a empresa alcançou 60% de pessoas negras no universo de 130 mil colaboradores — 35,1% em posições de liderança, com autonomia para tomar decisões.

O alto escalão no Carrefour Brasil, no entanto, só tem um membro negro: a executiva Vânia Neves, que consta como “conselheira independente de administração”. Todos as outras 22 posições na diretoria executiva e no conselho de administração são ocupadas por brancos.

À Gazetado Povo, a empresa disse que trabalha constantemente para promover a diversidade, e que a meta é ter, até 2030, 50% de profissionais pretos e pardos em cargos de liderança e 20% como executivos, ante os 13% atuais.

3. Natura

A Natura se orgulha de sua agenda “antirracista”, com que inclui uma página em seu site dedicada a promover a causa. Em 2022, a empresa brasileira até anunciou metas para aumentar o número de colaboradores e gerentes negros. O problema é que na diretoria e no conselho a fotografia é um pouco diferente: as funções estratégicas da Natura são todas ocupadas por brancos.

O aumento de funcionários, seja no chão de fábrica, escritório ou gerência, amplia o olhar da empresa para desenvolver produtos para outros públicos. Um exemplo na indústria cosmética é a criação de bases em vários tons de pele – é inacreditável que por décadas o mercado só tinha um tom de pele.

Por outro lado, projetos deles como Dandara, que mapeia hábitos e comportamentos da mulher negra, ou metas de aumentar a presença de influenciadoras pretas e pardas nas campanhas ficam distantes da representatividade proposta.

A Natura é uma empresa que defende a pluralidade e tem campanhas e programas de inclusão. Mas por que não tem ninguém nestas posições de comando? 

Em resposta à Gazeta do Povo, a empresa disse que “tem a valorização da diversidade como uma de suas crenças fundadoras e um histórico de atuação nesta frente, tendo sido reconhecida em 2024 como a empresa mais diversa do Brasil pela Kantar e o Datafolha”. 

Destacou, ainda, que desenvolveram ações específicas de promoção da equidade de gênero, equidade étnico-racial, inclusão de pessoas com deficiência e da comunidade LGBTQIA+, entre eles, aceleração de carreira de pessoas negras e programa de trainees voltado para pessoas negras eles. E que seguem engajados com o Compromisso Antirracista.

“Estamos comprometidos com a meta de alcançar 30% de pessoas negras em cargos de liderança no Brasil em cinco anos”, disse a Natura. De acordo com dados da empresa, 39,4% dos funcionários se autodeclaram pardos e negros do geral e 15,8% dos cargos gerenciais e acima.

4. O Grupo Boticário

A gigante de cosméticos também levanta a bandeira da diversidade e tem várias campanhas e com modelos e influenciadores negros. Os cargos no conselho consultivo e da vice-presidência (equivalente à diretoria) do Grupo Boticário, porém, são ocupados por executivos brancos.

O site de grupo diz que a empresa é composta por 46% de colaboradores negros e que em 2019 foi criado um setor de Diversidade, Equidade e Inclusão, o qual tem trazido “impactos positivos dentro e fora dos nossos ambientes de trabalho”.

Procurado pela reportagem, o Grupo Boticário disse que não conseguiria responder por indisponibilidade de agenda.

O Grupo Boticário informa em seu site que suas metas sobre diversidade abrangem representatividade de pessoas diversas em comunicações do Grupo Boticário e das marcas e ofertar portfólio de produtos, novos e existentes, inclusivos e diversos, considerando as necessidades da população brasileira.

5. Itaú Unibanco

No início do mês, o CEO do banco disse em entrevista à Folha de São Paulo que não segue à onda anti-woke que as empresas estão tomando: “Não tomamos medidas e decisões por moda. Tomamos por convicção, independentemente da tendência. Temos convicção de que a agenda ESG é positiva para o banco”, afirmou Milton Maluhy.

Pode ser para a base do banco. Mas, para a cúpula, o ESG passou longe. Sua diretoria e conselho são compostos por executivos brancos – algo que vai na contramão do woke.

À Gazeta do Povo, o Itaú Unibanco respondeu que a diversidade é fundamental para criar soluções adequadas aos diferentes perfis e necessidades dos nossos clientes. “Assim, temos trabalhado de forma consistente nos nossos objetivos de diversidade e equidade, sem perder de vista que se trata de um trabalho contínuo e de longo prazo”.

O Itaú Unibanco afirma ter investido R$ 25 milhões no Programa de Bolsas de Permanência Universitária foco nas minorias raciais. Além disso, o banco assegura que cerca de 30% dos funcionários na organização são negros, considerando todos os cargos. A meta é chegar a 40%.

Negros são minoria em cargos executivos

Um estudo feito pela Iniciativa ​Empresarial pela Igualdade Racial, em 2023 (o mais recente), mostrou que havia cerca e 8,3% de homens negros e 4,1% de mulheres negras nas diretorias, superintendências ou alta gerências de grandes empresas no país.

As companhias afirmam que há profissionais pretos e pardos em cargos de diretoria e gerência. Mas é diferente uma diretoria do grupo de comando da empresa, ainda que os nomes sejam semelhantes. Quando se trata de conselho de administração ou quadro executivo, a participação cai para 5,3% para homens negros e 0,5% para mulheres negras.

“Os resultados observados em edições anteriores se repetem em 2023 com relação à representatividade de profissionais negros(as) em cada um dos níveis hierárquicos: os cargos mais baixos ou de início da carreira profissional dentro da empresa, como o de estagiário e aprendiz, ainda são aqueles em que a proporção de profissionais negros e negras é maior”, conclui o relatório.

Ainda sobre negócios, um outro relatório, este da consultoria McKinsey com 1.265 empresas, de 23 países, aponta que a diversidade étnica pode trazer, em média, resultados 13% superiores.

noticia por : Gazeta do Povo