Cinco anos após a pandemia, é inegável que os bancos centrais foram bem-sucedidos em reduzir o forte avanço da inflação sem gerar um aumento significativo do desemprego na maior parte das economias. No entanto, em muitas delas, a inflação continua persistentemente elevada e, mesmo diante de um período prolongado de juros reais altos, não há sinais de que retornará às metas. Da mesma forma, as expectativas inflacionárias seguem acima dos níveis históricos, mesmo para horizontes mais longos.
Certamente, as políticas da administração Trump, especialmente em relação às tarifas, podem estar distorcendo as expectativas de inflação nos Estados Unidos. Contudo, independentemente do grau de agressividade dessas medidas, o conjunto mais amplo de ações do novo governo e seus impactos sobre o resto do mundo tendem a intensificar fatores estruturais que já dificultavam um retorno à inflação baixa e estável da última década.
Um dos fatores mais relevantes para esse novo regime inflacionário é a mudança no equilíbrio global entre oferta e demanda. Durante décadas, a globalização ajudou a conter a inflação ao permitir que países desenvolvidos importassem bens baratos de economias emergentes. Agora, o aumento do protecionismo e dos riscos geopolíticos acelera a reconfiguração das cadeias produtivas, pressionando os custos.
Outro fator inflacionário é o envelhecimento populacional nos países desenvolvidos, que reduz a força de trabalho disponível e pressiona os salários. A prometida redução da imigração nos EUA, que já reverbera no ambiente político europeu, agrava esse problema, ao mesmo tempo em que a China enfrenta uma crise demográfica, com três anos consecutivos de declínio populacional.
Simultaneamente, a transição para uma economia de baixo carbono, embora essencial, gera custos elevados no curto prazo. Eventos climáticos extremos têm causado choques de oferta, elevando os preços de commodities agrícolas e energéticas. Mesmo que Trump tente frear essa agenda nos EUA, trata-se de um processo inexorável, impulsionado por pressões regulatórias e compromissos internacionais.
Outro fator fundamental que sustenta uma inflação mais alta é a persistência das políticas fiscais expansionistas no pós-pandemia. Agora, um dos maiores efeitos colaterais da nova dinâmica geopolítica impulsionada por Trump deve ser o aumento dos gastos com defesa, além da crescente necessidade de investimentos em saúde, previdência e transição energética. Uma mudança histórica veio da Alemanha: abandonou o tradicional conservadorismo fiscal, revisando o limite constitucional de endividamento do país.
Não menos relevante foi o papel dos próprios bancos centrais na construção desse novo cenário. Mesmo diante de uma rápida recuperação da atividade econômica, muitos decidiram manter juros extremamente baixos por um período prolongado, sob o diagnóstico de que a inflação elevada seria temporária e decorrente de choques de oferta.
Diante deste contexto, surge uma questão central: os bancos centrais realmente terão disposição para perseguir suas metas de inflação, já que o custo dessa estratégia pode ser a instabilidade financeira e o risco de recessão? Ou aceitarão que as metas, estabelecidas em um ambiente global diferente talvez sejam baixas demais? A resposta a essas perguntas determinará, além da trajetória inflacionária global, a possibilidade –ou não– de um retorno à estabilidade da última década.
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noticia por : UOL