O número de novos processos por “erros médicos” aumentou 66,98% em apenas um ano. De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o salto foi de 45.948 ações, em 2023, para 76.725, em 2024. Os casos não detalham a natureza do processo. Podem ser por falha do profissional (de qualquer especialidade na saúde), de assistência ou do hospital.
Isso porque, desde 2020, quando as informações passaram a ser compiladas, os processos eram identificados sob a terminologia “erro médico”. Em setembro de 2023, as tabelas processuais unificadas foram alteradas e estes processos foram reclassificados como “danos materiais e/ou morais decorrentes da prestação de serviços de saúde”.
As queixas na saúde suplementar, que engloba planos de saúde privados, são mais frequentes, conforme dados do CNJ. Na subcategoria danos morais, praticamente dobrou o número de processos de 2023 para 2024: de 24.824 para 41.803. Na saúde pública, o aumento foi de 7.516 para 11.702.
O número de processos na saúde suplementar também é maior quando se trata de danos materiais. Enquanto na saúde pública passou de 3.570, em 2023, para 5.986, em 2024, na suplementar o salto foi de 10.036 para 17.207 no período.
Segundo Igor Britto, diretor-executivo do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), as falhas mais comuns quando o erro é do médico são: negligência, imprudência e imperícia. Mas cada perfil (público e suplementar) tem seus problemas.
“Em geral, a superlotação, falta de profissionais e precarização são mais frequentes na rede pública de saúde. No particular, às vezes, vamos ver baixa qualidade na formação da equipe ou a contratação de pessoas mais inexperientes para economizar”, diz ele, que emenda:
“Mas depende, pois há locais no Brasil em que o SUS funciona muito bem e em outros, não. E os clientes de planos de saúde hoje passam o mesmo aperto no atendimento da sua rede credenciada que quem vai ao SUS”.
Negligência, imprudência e imperícia
A negligência é o atendimento superficial, sem o médico investigar se há algo mais sério. “É quando o profissional de saúde deixa o paciente esperando muito tempo, não identifica os sintomas graves ou, ao fazer isso, não realiza exames necessários. Isso tem muito a ver com despreparo das equipes”, diz Britto.
Britto pondera que é muito comum estas situações acontecerem também por negligência dos hospitais e empresas que não oferecem as ferramentas e infraestrutura necessárias para os médicos trabalharem adequadamente. São responsáveis, ainda, pela falta de rigor na contratação de seus funcionários.
“Nem sempre um atendimento deixa de ser feito corretamente por incompetência técnica, mas, sim, por superlotação, falta de laboratórios, macas e remédios, de profissionais, ou de infecções”, diz Britto.
Ao que diz respeito à imperícia, no entanto, a situação está mais relacionada a baixa qualidade na formação dos profissionais. Como a Gazeta do Povo mostrou, as instituições, essenciais no desenvolvimento dos futuros médicos, estão falhando em estabelecer critérios rigorosos de seleção, formação e correção de condutas.
“Tem a ver com falta de especialização, experiência, pessoas que não se atualizam, não estudam. O erro do hospital é contratar estas pessoas. Isso acontece, às vezes, para economizar”, diz Britto.
Já a imprudência leva o paciente a um risco desnecessário. Por exemplo, fazer um tratamento inútil, ou que poderia ser substituído por outro menos invasivo, e isso agravar o quadro clínico ou a pessoa morrer. Segundo ele, ocorre tanto pela incompetência do médico como por interesse em ganhar mais – com uma cirurgia, por exemplo.
“O que todos esses erros têm em comum é não prestar informação de forma clara sobre o procedimento para as famílias e pacientes. A transparência ajuda na tomada de decisão, mas isso custa dinheiro, porque demanda equipe para atender estas pessoas. A mercantilização da saúde pode ser perigoso”, diz Britto, do Idec.
Questionada sobre o que explica o aumento de ações por “erros médicos”, o Conselho Federal de Medicina (CFM) disse que o termo foi reclassificado e a categoria inclui hoje processos contra hospitais (públicos e privados), por falhas assistenciais e de gestão, e contra profissionais de diversas categorias da saúde, não apenas médicos.
“A Tabela Processual Unificada serve para uniformizar nacionalmente os termos que identificam os processos, facilitando a compreensão da população, assim como permitindo a extração de dados de informação via bancos de dados digitais, o que é fundamental para o controle social e desenvolvimento de políticas adequadas e eficientes”, disse o CFM por nota.
Procuradas pela Gazeta do Povo, a Associação Médica Brasileira (ABM) e a Federação Nacional dos Médicos não responderam até a publicação desta reportagem.
noticia por : Gazeta do Povo